Mônica morava sozinha havia alguns anos e, embora tivesse alguns amigos, com quem saía sempre nas sextas-feiras à noite pra tomar um chope num barzinho qualquer, nunca se permitiu amar alguém – digo ter um namorado, coisa assim. Alegava independência e liberdade quais, certamente, perderiam ao vivenciar algo do gênero. Além de muito boa professora de Geografia, pagava suas contas sozinha, ia ao médico, ao supermercado, ao salão, à farmácia, à balada. Cozinhava muito bem, assim como arrumava a casa, lavava, passava. Nunca quis uma secretária. Durante anos – uns três, mais ou menos –, Mônica esteve certa de que poderia viver toda a sua vida daquela maneira: com um homem em sua cama quando bem entendia, em dias de fins de semana aleatórios, sem culpa, sem compromisso algum, só por capricho da “carne”. Na segunda, de volta à rotina, cumprindo suas obrigações. Sabia trocar pneus, consertar as coisas, trocar a lâmpada. Mas, certo dia, nada disso fora suficiente. Embora “muito bem resolvida”, Mônica decidiu que não fazia sentido ela mesma trocar, mais uma vez, a lâmpada que queimou. Dormiu no escuro. Não, Mônica não dormiu. Nenhuma mulher dorme tão facilmente à noite. Menos ainda quando se resolve encarar a realidade. Ela precisava romper com o próprio orgulho e se livrar da prisão que a tal “liberdade” lhe enfiara. Mônica só precisava de um amor. Ela precisava rasgar a ilusão do “não precisar”. Tentou enxergar, em meio à escuridão, a lâmpada queimada, mas isso não fazia sentido. Justo por não fazer sentido, ela enxergou além da lâmpada: homens são tão necessários às mulheres quanto as mulheres são necessárias aos homens. Quanto o amor é necessário ao ser humano. Ninguém é tão bem resolvido – nem extremamente feminista ou machista – ao ponto de não necessitar. Relações são primordiais para a existência, também para as crises existenciais. Embora pudéssemos jurar que Mônica era extremamente bem resolvida, tudo o que ela tinha ali no escuro era medo. Por trás de toda síndrome de Mulher-Maravilha, existia apenas o medo de precisar. A “liberdade” trancafiava Mônica, e o seu medo ali se transformara em outro. Mônica teve medo de não ter alguém pra compartilhar as experiências da vida, dividir as contas, sentar-se à mesa, cozinhar junto, almoçar junto, gostar da comida. Ela queria ter alguém para trocar presente no dia dos namorados e no natal. Mônica decidiu que queria “fazer amor” e não apenas “sexo” no próximo fim de semana. Quis tantas coisas que antes nunca se passara pela cabeça, mas tudo que ela tinha era o escuro do quarto. Tinha por pouco tempo. A manhã já chegava da cor do seu esmalte “Horizonte Azul”. Mônica soube que a vida é tão efêmera quanto à madrugada e assentou que seu mais importante compromisso do dia seria ser feliz. O que só seria possível se ela fizesse também, de outro alguém, feliz e importante. Alguém que trocasse sua lâmpada; iluminasse sua casa, iluminasse sua vida. (Mal sabia Mônica que, exatamente às três e cinquenta e três horas da tarde, voltando pra casa, já desanimada, despretensiosamente, encontraria um amor.)
(Mônica e a síndrome da Mulher-Maravilha, por Thaís Palma)